top of page
Foto do escritorAline Sartori

Criticar, Refletir, Repensar

**Texto publicado em meu antigo Blog em 19 de março de 2018.


Platão, filósofo grego nascido em Atenas por volta de 427 a.C., escreveu um texto chamado Alegoria da Caverna, esse texto foi publicado no livro XII da República.

Resumidamente, a narrativa trata-se de prisioneiros que desde o nascimento foram acorrentados no interior de uma caverna de modo que só podiam olhar para frente onde tinha uma parede iluminada pela luz de uma fogueira. Nesta parede eram projetadas sombras de estátuas representando pessoas, animais, plantas e etc. 

Essas sombras eram manipuladas por outros homens para representarem o cotidiano desses seres, elas eram as únicas imagens que esses prisioneiros podiam enxergar. 

Com o tempo, os prisioneiros começaram a dar nomes para as sombras, julgando o intervalo de tempo em que cada uma apareceria e analisando cada situação que era projetada na parede. Para os prisioneiros, as sombras eram a única referência do mundo exterior e eram seu mundo, sua realidade. 

Um dia, um dos prisioneiros é libertado e tem a oportunidade de explorar o interior da caverna e também o mundo externo. Ao se deparar com a realidade, percebeu que passou a vida julgando imagens projetadas por estátuas. Ao sair da caverna e conhecer o mundo exterior, o ex-prisioneiro conhece a luz do Sol e a mesma ofusca a sua visão e só depois de algum tempo ele começa a se habituar à nova realidade e enxergar as maravilhas dos seres fora da caverna, ficando encantado com a natureza, animais e etc. 

Ao conhecer o mundo externo, percebe que agora sim pode conhecer os seres como são de fato, agora sim pode conhecer a verdadeira realidade. Maravilhado com esse novo mundo e com o conhecimento que passou a ter da realidade, o ex-prisioneiro lembra-se de seus amigos que permaneceram na caverna e decide retornar para contar tudo que descobriu. Porém, os prisioneiros não conseguem imaginar uma outra realidade além daquelas sombras, com isso debocham de seu colega liberto, dizendo que ele está louco e ainda o ameaçam de morte caso ele não pare com essas “maluquices”.



Nessa alegoria, os prisioneiros representam pessoas que enxergam e acreditam apenas em imagens criadas pela cultura, conceitos e informações que receberam ao longo da vida, mas que não pararam para refletir e questionar. O mundo pode apresentar imagens/ideias que não representam a realidade, imagens/ideias manipuladas.

A nossa visão da realidade pode estar distorcida, nossa própria mente pode nos enganar, é extremamente importante questionar e refletir sobre praticamente tudo o que temos como verdade absoluta, não com o objetivo de desacreditar de tudo ou com o intuito de provar que tudo é mentira e muito menos relativizar tudo. Mas é fato que para algo fazer sentido é necessário que se pense sobre, discuta, conheça outras opiniões e após avaliar tudo, se posicionar de acordo com o que faz sentido para você. 

É importante que você tenha a sua própria opinião acerca de sua realidade e não apenas conceitos e imagens que lhe foram passados sem nenhuma reflexão.

Margreet Heer, exemplifica como se dá o pensamento dizendo que o cérebro é constituído de uma série de arquivos, impressões, emoções e memórias, a consciência passa de uns para outros como uma corrente elétrica, assim as conexões que são feitas através dessa corrente elétrica são os nossos pensamentos.

A realidade está cheia de informações que não podemos perceber diretamente, podemos acessar essas informações de maneiras diferentes, experimentando-as, ouvindo falar sobre elas, sensorialmente, etc. Assim, o pensar é como processamos as informações que recebemos, pensar é estar em movimento, experimentando novas informações, mudando concepções ou mantendo-as. 

O seu pensamento é estruturado de acordo com a sua história de vida. Suas vivências e experiências norteiam os seus pensamentos.

Além disso, você recebe influências a todo momento, seja de sua família, mídia, religião, trabalho, influências que precisam ser repensadas, precisam ser criticadas, pois elas podem ter o “poder” de colocar verdades em sua cabeça, verdades que podem ser falsas, que podem não fazer sentido algum para você. 

Você pode pensar que existe uma padrão corporal ideal a seguir, um emprego ideal a alcançar, determinado tipo de família e moradia necessários para ter uma vida feliz e etc. E muito provavelmente você não percebe, mas a maioria das suas decisões e pensamentos podem estar girando em torno de algo que não veio de você. Você pode se achar inferior por não conseguir seguir esse padrão e com isso se desmotivar, se desvalorizar e até adoecer.

Isso tudo não é tão simples, não é tão fácil de visualizar. 

Geralmente não nos percebemos como reprodutores de opiniões de massa que não dizem nada sobre o que realmente somos. Você já pensou que pode estar agindo como os prisioneiros da caverna, que quando seu amigo voltou para lhes contar o que descobriu, eles estavam tão certos de sua realidade que nem sequer o escutaram, já o classificaram como louco, não consideraram a possibilidade de existir algo além daquilo que eles estavam vivendo e reproduzindo como verdade absoluta.

Nossos conceitos precisam fazer sentido para nós, pois eles podem nortear nossos pensamentos de modo a nos escravizar. Quantas vezes nos sentimos fracassados por não conseguir atingir determinada coisa embasado em conceitos que não nos dizem respeito, conceitos que quando paramos para refletir não nos agrega nada, não nos diz nada.

Vivemos em sociedade, geralmente rodeados de grupos que tem alguma familiaridade com o que gostamos e pensamos. Isso é bom, mas também pode ser prejudicial, pois nos cercamos de pessoas que pensam como a gente, não possibilitamos a oportunidade de conhecer pessoas diferentes, de conhecer outras ideias.

Ouvir o que as outras pessoas tem a dizer é algo bom, mas não ouvir já se armando para assumir a posição de defesa de suas ideias/pensamentos e acusador das ideias/pensamentos do outro, mas ouvir disposto, ouvir com gosto, considerar as experiências que viveram e refletirem juntos, unindo suas histórias. Pode ser que no final da conversa você não se convença ou até pode ser que se convença, mas o que vai ter valido de verdade é a interação e o exercício de repensar, de refletir e de conseguir ouvir além daquilo que lhe é confortável.

Cito um grande autor, Rubem Alves em “Escutatória”...

“Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular. A gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. Para ouvir não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio de dentro. Ausência de pensamento. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.”

Por isso, é extremamente importante você rebater alguns tipos de pensamentos, questionar o quão verdadeiros eles são, se realmente você acredita neles ou se eles são apenas algo que você reproduz sem refletir.

Um primeiro passo para o auto conhecimento e para deixar de ser refém de pensamentos escravizantes é justamente rever nossas verdades, não ter medo de questionar, enfrentar aquilo que tememos, descobrir opiniões novas acerca da nossa sociedade e realidade. Assumir o controle, ser o regente de seus pensamentos e não o refém. Mais uma vez saliento que não é necessário desacreditar de tudo e começar do zero, você pode fazer uma limpeza começando por aqueles pensamentos que te fazem mal, que te fazem ter medo...

O grande segredo não é mudar tudo o que você acredita e sim buscar sentido no que você acredita e ai sim, caso não encontre sentido, é necessário uma mudança.

Não tenha medo da mudança! Ela pode ser boa, pode ser a única saída em alguns momentos. A psicoterapia pode te ajudar a criticar, refletir e repensar os conceitos e pesamentos que estão te escravizando!

“Nossa mente é como uma casa mal-assombrada. Raramente temos a ousadia de nela entrar para reconhecer nossos fantasmas, enfrentá-los, criticá-los e repensá-los.” A. Cury

Nosso cérebro é algo inexplicavelmente incrível, ainda há muito para se entender sobre seu funcionamento, ainda nos surpreendemos com algumas descobertas sobre esse órgão formidável. Ele pode ser um forte aliado nessa tomada de posição como regente de seus pensamentos, mas ele também pode ser um vilão em alguns momentos. Como citei na última postagem, entender a lógica do nosso cérebro pode nos ajudar no auto conhecimento. Falaremos melhor sobre isso nos próximos textos.

Até lá, aguardo seus comentários!

Deixo abaixo uma ilustração de Maurício de Souza fazendo referência a Alegoria da Caverna de Platão com nossos dias atuais!



Comments


bottom of page